Autores: Nishie K, Kawaguchi T, Tamiya A, et al.
O benefício do uso de inibidores de tirosina quinase (TKI) de EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico) em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células, portadores de mutações de sensibilidade, é inquestionável. Em primeira linha há um claro ganho de sobrevida livre de progressão e taxa de resposta, em detrimento da quimioterapia (QT).
O benefício de sobrevida global (SG) talvez nunca venha a ser demonstrado, pelo elevado número de cruzamento nos estudos. Entretanto os valores de mediana de SG alcançados pelos pacientes nos permitem inferir que ele existe. Virada esta página, surgem mais perguntas que respostas. Este estudo retrospectivo, publicado por um grupo japonês, tenta trazer alguns dados e, principalmente chamar a atenção para uma dúvida que permeia nossa prática diária: devemos mesmo interromper o uso de TKIs após a progressão de doença?
Foram avaliados de foma retrospectiva, entre 2002 e 2010, pacientes portadores de mutações ativadoras de EGFR (deleções no exon 19 e L858R no exon 21), tratados com TKIs em 1a ou 2a linha e que apresentaram progressão de doença.
A avaliação de resposta foi feita pelos critérios do RECIST 1.0. Os pacientes foram divididos em 2 grupos: substituição do TKI pela QT ou continuação do TKI. O objetivo seria comparar os desfechos destes dois grupos. Uma análise multivariada foi também feita incluindo algumas características clínicas (idade, sexo, PS, metástases cerebrais, tipo de mutação de EGFR, uso de TKI em 1a ou 2a linha).
Um total de 551 pacientes foram avaliados, sendo que apenas 64 apresentavam os critérios de inclusão (mutação ativadora de EGFR, uso de TKI em 1a ou 2a linha). Destes, 39 pacientes continuaram usando TKI após a progressão e 25 pacientes foram tratados com QT (esquemas clássicos de 1a linha ou 2a linha). Não foram detectadas diferenças clínicas significativas entre os grupos, exceto pela idade. Os pacientes que seguiram com o TKI eram mais idosos (69 x 58 anos; p=0,008).
Na análise univariada houve uma diferença significativa de SG, favorecendo o grupo que continuou usando TKI (32,2 x 23 meses; p=0,005). Da mesma forma, na análise multivariada, a continuação do TKI, além do melhor PS, teve associação com melhor sobrevida (Tabela 1). Os autores concluem que, neste estudo retrospectivo, a manutenção do TKI, no momento da progressão pelo RECIST, em pacientes mutados, pode conferir um benefício de sobrevida.
Há diversas limitações na metodologia e consequentemente nas conclusões deste estudo. Os autores citam algumas delas na discussão. Trata-se de uma análise retrospectiva, com uma amostra muito pequena. Esta escolha entre mudar para QT ou não foi feita única e exclusivamente pelo médico assistente. Portanto, embora as características clínicas sejam semelhantes, há um sério risco de viés de seleção. O fato dos pacientes com uso contínuo serem mais idosos sugere a existência deste problema. Desta forma, este estudo não traz conclusões definitivas.
Entretanto, algumas perguntas atuais recorrentes estão nele imbutidas: Como se define resistência ao TKI? O RECIST ainda nos é útil? Quando interromper o uso de TKI? Devemos rebiopsiar o paciente? Embora os guidelines atuais sejam categóricos em sugerir a troca do TKI por QT, no momento da progressão, este fato se deve mais à ausência de informações do que a evidências concretas. A verdade é que não sabemos ainda como manejar estes pacientes.
Algumas publicações vêm sugerindo que a manutenção do TKI possa ser uma boa opção, calcadas principalmente no conceito de dependência oncogenética. Talvez a adição de tratamentos venha a ser uma realidade mais provável. A evidência do fenômeno de flare após a suspensão do TKI, a demonstração de transformação de apenas alguns clones para carcinoma de pequenas células e a sugestão de que os clones com a mutação de resistência T790M tenham uma evolução mais lenta, são exemplos de situações que favorecem o uso contínuo de TKI, com ou sem a adição de QT. Além disso, estudos promissores para pacientes com resistência envolvem a combinação de duplo bloqueio do EGFR (anticorpo e pequena molécula).
Ressalta-se ainda que estratégias intercalando QT e TKI, ou mesmo a combinação em 1a linha voltaram a ser discutidas recentemente, no último congresso da ESMO. Claramente precisamos de estudos prospectivos. Alguns já estão em andamento, como o ASPIRATON trial, que promete resultados para 2014. Enquanto isso, precisamos estar atentos a informações retrospectivas relevantes e individualizar a abordagem de nossos pacientes.
Tabela 1. Análise multivariada de sobrevida globalAdaptada de Nishie K et al. J Thorac Oncol 2012; 7: 1722.EGFR-TKI: inibidor de tirosina quinase do receptor do fator de crescimento epidérmico.
Autores: Nishie K, Kawaguchi T, Tamiya A, et al.
Referência: J Thorac Oncol 2012; 7: 1722-1727
Comentário: Clarissa Baldotto – Médica Oncologista do INCA e do Núcleo de Oncologia Torácica da COI- RJ