Comentado por:

Juliano Cé Coelho
Ex-Médico Residente de Oncologia Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Oncologista Clínico do grupo Oncoclinicas e Pesquisador Clínico da Unidade de Pesquisa Clínica em Oncologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Juliano.oncologia@gmail.com

Vanita Noronha; Vijay Maruti Patil; Amit Joshi; Nandini Menon; Anuradha Chougule; Abhishek Mahajan; Amit Janu; Nilendu Purandare; Rajiv Kumar; Sucheta More; Supriya Goud; Nandkumar Kadam; Nilesh Daware; Atanu Bhattacharjee; Srushti Shah; Akanksha Yadav; Vaishakhi Trivedi; Vichitra Behel; Amit Dutt; Shripad Dinanath Banavali; Kumar Prabhash

J Clin Oncol. 2019 Aug 14:JCO1901154 [Epub ahead of print]
PMID: 31411950

O câncer representa uma importante questão de saúde pública ao redor do mundo sendo a segunda causa de morte, apenas superado pelas doenças cardiovasculares. O câncer de pulmão lidera as estatísticas de mortalidade, sendo a principal causa de morte por neoplasia em ambos os sexos. Seu diagnostico ocorre geralmente em fases tardias, com a presença de metástases a distancia. Nesse cenário, até recentemente, o tratamento com quimioterapia paliativa a base de platina era a principal opção terapêutica. Nos últimos anos dados referentes ao uso de imunoterapia e o reconhecimento dos drivers moleculares tem alterado substancialmente o tratamento da doença.

No ano de 2009 tivemos a publicação dos dados do Estudo IPASS marcando uma mudança de paradigma dos pacientes com câncer de pulmão não pequenas células que apresentavam a mutação EGFR. Embora a descoberta desse driver molecular e o uso de drogas específicas contra esse alvo melhorou drasticamente o tratamento desses pacientes, progressão de doença secundária ao desenvolvimento de resistência às drogas alvo segue sendo a realidade.

Diversas estratégias tem sido estudos no intuito de diminuir e retardar o desenvolvimento de resistência às drogas alvo. Uma dessas estratégias consiste na combinação de quimioterapia citotóxica clássica com agentes anti-EGFR, pois ambos atuariam de forma sinérgica no combate a doença, induzindo apoptose e suprimindo vias intracelulares. Estudos de fase II em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células avançado com mutação EGFR a combinação de gefitinib com quimioterapia aumentou a sobrevida livre de progressão e sobrevida global dos pacientes.

O artigo “Gefitinib Versus Gefitinib Plus Pemetrexed and Carboplatin Chemotherapy in EGFR-Mutated Lung Cancer” publicado por Vanita Noronha e colaboradores [J Clin Oncol. 2019; Aug 14:JCO1901154 [Epub ahead of print] descreve um estudo de fase III positivo para sobrevida livre de progressão e sobrevida global com o uso da estratégia de combinação de quimioterapia a inibidor de EGFR na população com câncer de pulmão não pequenas células avançado com presença da mutação EGFR.

Trata-se de um estudo de fase III, randomizado, aberto, conduzido em um hospital terciário da Índia, que incluiu 350 pacientes diagnosticados com CPNPC de histologia não-escamosa, metastático, performance status 0-2 e que apresentam mutação EGFR nos exons 18, 19 ou 21. Os pacientes foram randomizados 1:1 para receber gefitinib + carboplatina e pemetrexate (grupo intervenção) ou gefitinib monoterapia (grupo controle). O objetivo primário do estudo era sobrevida livre de progressão avaliado pelos critérios de RECIST 1.1. Sobrevida global, toxicidade e qualidade de vida eram objetivos secundários do estudo.

Com um seguimento mediano de 17 meses o estudo demonstrou existir maior sobrevida livre de progressão: 16 vs. 8 meses (HR 0,82; IC95% 0,72 – 0,94; p 0,0035), maior sobrevida global e maior taxa de resposta nos pacientes que receberam a terapia combinada quando comparado com aqueles que receberam inibidor de EGFR de forma isolada. Por outro lado, toxicidade grau >2 também foi mais frequente no grupo da terapia combinada (51 vs. 25% p<0,001).

O desenho e a escolha do desfecho primário são pontos fortes da metodologia, além de ter sido apresentados dados de taxa de resposta e sobrevida livre de progressão 2 (tempo da randomização até uma segunda progressão clínica). O tamanho amostral esperado para demonstrar um incremento de sobrevida livre de progressão de 10 para 15 meses no grupo de terapia combinada foi atingido e o uso de análise intention-to-treat com a inclusão de todos os pacientes nas análises de eficácia reforçam as qualidades metodológicas utilizadas. Os pacientes de ambos os grupos apresentavam características clínicas semelhantes, destacando-se aproximadamente 20% deles com performance status 2 e também cerca de 20% dos pacientes com metástases em sistema nervoso central. Quanto ao tipo de mutação EGFR, também não existiu diferença entre os grupos, sendo a mais frequente a deleção no exon 19 presente em 62% dos pacientes.

O tratamento com a combinação de gefitinib, carboplatina e pemetrexate foi francamente superior tanto em termos de sobrevidas como em taxa de resposta quando comparado com gefitinib isolado. A sobrevida livre de progressão no grupo intervenção atingiu 16 meses (95% CI, 13,5-18,5 meses) vs. 8 meses (95% CI, 7,0- 9.0 meses) com um hazard hation (HR) de 0,51 (95% CI, 0,39-0.66; P <0,001). A sobrevida global, embora ainda não atingida a mediana no grupo intervenção, já é significativamente superior nesse grupo (não atingida vs. 17 meses) com HR de 0,45 (95% CI, 0,31-0,65; P<0, 001) e a taxa de resposta objetivo alcançou 75% vs. 62%, sendo estatisticamente significativa.

Uma questão muito importante a ser levado em conta quando avaliamos resultados de tratamentos combinados está na tolerância dos pacientes a essa estratégia de terapia mais intensa. Como esperado, nesse estudo evidenciou-se uma maior incidência de efeitos adversos, inclusive com maior número de eventos adversos grau 3 ou maior (75% vs. 49%; p<0,001) no grupo intervenção, embora não tenha ocorrido maior incidência de morte por toxicidade. As seguintes toxicidades graus 3 e 4 foram superiores no grupo tratamento combinado: anemia (19% vs. 2%) neutropenia (16% vs. 1%), trombocitopenia (5% vs. 1%), neutropenia febril (14% vs. 0%) e disfunção renal (6% vs. 1%).

Embora o estudo apresente resultados claramente superiores do tratamento combinado de inibidor EGFR com quimioterapia, precisamos levar em consideração algumas questões importantes. Esse estudo, embora conduzido de forma adequada, ocorreu exclusivamente em uma única instituição com inclusão apenas de pacientesde etnia asiática. A extrapolação dos dados para a população ocidental não necessariamente refletirá os mesmos resultados encontrados no estudo. Outro ponto importante consta na avaliação de progressão de doença (desfecho primário) por exames de imagem avaliados por radiologistas não independentes. Os dados de qualidade de vida (objetivo secundário) também não foram apresentados, até o momento.

Um capítulo a parte para avalição desse estudo encontra-se na não utilização de inibidor de EGFR de terceira geração. Após a divulgação do estudo FLAURA, o uso de osimertinib passou a ser a primeira opção de tratamento nessa população. Os autores justificam a utilização do inibidor de primeira geração pela inacessibilidade ao inibidor de terceira geração, situação semelhante a vivenciada pelos pacientes do SUS no Brasil. Também suportam a utilização desse esquema terapêutico por ser mais barato e com medianas de sobrevida semelhante a apresentado pelo estudo FLAURA, porém não podemos deixar de lembrar a maior toxicidade, sobretudo grau 3 ou 4, apresentado no grupo intervenção. Outro ponto não abordado no estudo está no mecanismos de resistência desenvolvidos pelos pacientes, presença da mutação T790M e se algum paciente com essa resistência teve acesso uso do inibidor de terceira geração.

Em conclusão, do meu ponto de vista, esse estudo trouxe dados provocantes quanto a utilização de tratamento combinado em pacientes com mutação EGFR, sobretudo quando existe a impossibilidade de utilizar o inibidor de EGFR de terceira geração. Porém, não podemos deixar de considerar, que a utilização desse esquema terapêutico em pacientes ocidentais, decorreria da extrapolação de dados de uma população asiática, além de estarmos incrementando a toxicidade do tratamento. Estudo de combinação, sobretudo de quimioterapia com o inibidor de terceira geração em população ocidental aparece como uma necessidade para elucidar pontos ainda não respondidos da melhor forma de tratamento de primeira linha para os pacientes com câncer de pulmão avançado que apresentam mutação EGFR.