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Elisa Saito, Coordernadora do serviço de Radioterapia do Hospital Santa Izabel, Salvador-BA.
Robert T. Dess, Yilun Sun, Martha M. Matuszak, Grace Sun, Payal D. Soni, Latifa Bazzi, Venkatesh L. Murthy, Jason W.D. Hearn, Feng-Ming Kong, Gregory P. Kalemkerian, James A. Hayman, Randall K. Ten Haken, Theodore S. Lawrence, Matthew J. Schipper, and Shruti Jolly.
A maioria do câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) são localmente avançados, irressecáveis ou inoperáveis, tornando a Radioterapia um opção importante no tratamento. E a associação entre Radioterapia (RT) e toxicidade cardíaca a longo prazo é bem estabelecida.
Esse estudo é uma análise combinada de estudos prospectivos, multicêntricos sobre toxicidade cardíaca em câncer não pequenas células avançados, tratados com Radioterapia, na Universidade de Michigan e no Hospital Ann Arbor Veterans Affairs.
Nesse estudo, foram incluídos 125 pacientes EC II e III NSLC, no período de 2004 a 2013, com FU mediando 51 meses. Eles receberam uma dose de radioterapia mediana de 70Gy, onde 84% receberam QT concomitante. Desses pacientes, 27% doença cardíaca pré existente. O end point primário foi avaliar o desenvolvimento de eventos cardíacos ≥ grau 3.
Uma característica desse estudo foi a dose de Radioterapia ser maior que o habitual. A maior dose no tumor, implica na maior probabilidade de órgãos normais, como o coração, receber maior dose. Entretanto, o RTOG 0617 foi um estudo prospectivo, randomizado, fase III que mostrou, paradoxalmente, que o escalonamento de dose (74Gy vs 60Gy) apresentou maior mortalidade.
Na análise multivariada, a doença cardíaca pré-existente e dose cardíaca mediana foram significativamente associados a eventos cardíacos ≥ 3. E este foi associado a pior sobrevida global, assim como progressão de doença.
Em pacientes candidatos à Radioterapia, quais os principais fatores de risco para o desenvolvimento de toxicidade cardíaca?
1) Dose: Quanto maior a dose cardíaca, maior o dano. Entretanto, essa dose depende da localização do tumor. Ou seja, um tumor bulky, perifério de lobo superior de pulmão recebe baixa dose de radiação, comparado a um tumor pequeno adjacente ao coração. Por isso, os parâmetros utilizados nesse estudo foram V5, V30 e V50, ou seja,
o volume do coração que recebe 5Gy, 30Gy e 50Gy, respectivamente e a dose mediana no coração. Esta é uma forma objetiva de padronizar a dose cardíaca de tumores com variadas localizações e volumes, facilmente reprodutível, pois todos os sistemas de planejamento 3D conformacional nos dão prontamente essa informação.
2) QT concomitante: O efeito deletério da sobrevida com o escalonamento de dose é mais acentuada com QT concomitante.
O tratamento sequencial com Quimioterapia de indução seguida de Radioterapia, apesar de não ser o tratamento de escolha para os tumores localmente avançados, pode reduzir o volume do tumor e consequentemente reduzir a dose cardíaca.
3) Técnica da RT: Quanto melhor a tecnologia, maior conformidade da dose no tumor e menor a dose em órgãos normais, como o coração.
O planejamento com PET/CT aumenta significativamente a acurácia do alvo, especialmente para pacientes com atelectasia e quando o contraste venoso é contra indicado. Isso permite redução da área de irradiação com mais segurança.
O uso do 4D-CT, que é uma tomografia computadorizada em quatro dimensões. Ele utiliza a tecnologia para capturar a localização e o movimento do tumor e do corpo, correlacionando com o tempo. Isso permite menor área de irradiação, uma vez que o alvo é localizado com maior precisão e segurança.
O IGRT (Radioterapia guiada por imagem) combina imagem (como tomografia computadorizada) com a Radioterapia, durante cada aplicação. Isto permite confirmar a faixa de movimento do tumor, no momento do tratamento, e os finos ajustes do posicionamento do paciente.
IMRT (Radioterapia com intensidade modulada)/ VMAT (Arcoterapia volumétrica modulada) são tecnologias da Radioterapia que melhoram a eficácia na conformação da dose no tumor, poupando significativamente os órgãos normais adjacentes, em um tratamento extremamente rápido.
Todas essas tecnologias tornam-se mais relevantes quando o tumor é adjacente ao coração. O grande desafio da radioterapia é reduzir a dose no coração, em um tumor que o envolve. A irradiação do tumor engloba uma margem de tecido normal ao redor, para garantir que, mesmo na inspiração ou expiração, ele esteja sendo continuamente irradiado.
A irradiação adequada do tumor implica diretamente na maior chance de controle local, o que é fundamental, dado o prognostico desfavorável da doença. Portanto, o risco de Toxicidade Cardíaca VS Controle Tumoral deve ser considerado sempre que possível.
4) Doença cardíaca pré-existente – uma limitação do estudo foi não descrever todos os eventos cardíacos. Ela aumenta três vezes a chance de ter eventos cardíacos ≥ grau 3, em paciente irradiados. A incidência cumulativa em 24 meses de eventos cardíacos ≥ grau 3 foi de 11%, no CPNPC localmente avançado.
O que podemos fazer para reduzir a toxicidade cardíaca a longo prazo? Uma sugestão é o acompanhamento frequente com o cardiologista, que pode detectar e intervir precocemente. Além do controle de fatores de risco como tabagismo, dislipidemia, HAS, DM, obesidade e sedentarismo.